Método fônico ou global: qual é a melhor forma de ensinar uma criança a ler de acordo com a ciência?
Roberto Lent
Professor titular da UFRJ e Pesquisador do instituto D’Or
22/08/2019
Quem já viu um bebê começando a falar e anos depois aprendendo a ler, certamente se maravilhou com a capacidade humana de viabilizar essas duas habilidades. Ocorre que a fala é uma propriedade biológica inata do nosso cérebro, diferente da leitura, que é um produto da cultura. Para aprender a falar um bebê precisa apenas conviver com pessoas falantes. Para a criança aprender a ler, no entanto, é preciso ensiná-la. Aí mora o problema.
Uma das grandes controvérsias atuais da Educação envolve os métodos mais eficazes para alfabetizar as crianças. A discussão é aquecida em todo o mundo, entre os adeptos do chamado método fônico, e os que preferem uma segunda alternativa conhecida como método global. A polêmica se reacendeu no Brasil, com o lançamento na semana passada, pelo governo federal, de um caderno explicando decreto anterior que estabelece a Política Nacional da Alfabetização.
Os adeptos do método fônico defendem que é mais eficiente começar a aprendendo a associar corretamente os fonemas (sons do idioma) com os grafemas (letras que representam os sons). Nas línguas ditas transparentes, como a nossa, é mais fácil. O som do “f”, por exemplo, em português só érepresentado pela letrinha que acabei de escrever entre aspas. Mas em inglês, uma língua opaca, o som do “f” pode ser representado por f, ff, ph e gh! Vida dura para as crianças.
Os adeptos do método global, por outro lado, defendem que é melhor começar direto pelas palavras e seus significados, pois isso estimularia os alunos a exercitar o raciocínio e descobrir as correlações que levam à compreensão do idioma, em vez da simples pronúncia das sílabas e palavras com a correta apreensão do sentido.
Buscando evidências que sustentassem uma ou outra dessas alternativas para alfabetização, encontrei um criativo trabalho realizado por um grupo de pesquisa da Universidade de Londres, em 2017, e um outro, publicado este ano pelo laboratório NeuroSpin, na França.
Os pesquisadores ingleses trabalham com adultos e jovens falantes do inglês, mas utilizam idiomas artificiais para simular as dificuldades das crianças. Esses falsos idiomas eram transparentes com símbolos arbitrários compatíveis com a pronúncia inglesa. Usaram o método fônico para um grupo, e o método global para outro. No início, ao longo e no final do treinamento com o novo idioma, aplicavam diversos testes de aprendizagem e adquiriam imagens funcionais de ressonância magnética.
Verificaram que, no início da aprendizagem, os alunos ativaram uma rede de áreas cerebrais no topo do córtex cerebral (via fonológica), e aos poucos transferiam a atividade para outra rede neural situada mais baixo (via lexical), Aprendiam como uma rede, e consolidavam com outra.
Os testes de desempenho demonstraram maior eficácia do método fônico, conclusão apoiada pela gradativa e sequencial ativação da via fonológica seguida da via lexical.
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Os trabalhos são independentes, muito rigorosos do ponto de vista metodológico, e contribuem bastante para oferecer uma base cientifica à escolha dos métodos de alfabetização. A ciência é o caminho mais curto para otimizar a Educação.