O MEC em transição
Melhor caminho na política de alfabetização é se inspirar em experiências exitosas de redes públicas
A repórter Paula Ferreira antecipou, em reportagem no Globo na semana passada, que a equipe de transição na educação do futuro governo Lula incluiu no relatório provisório do grupo, entre outros pontos, a sugestão de revogação do programa de escolas cívico-militares, da Política Nacional de Educação Especial, e da Política Nacional de Alfabetização.
No caso das escolas cívico-militares, a extinção do programa não gerará trauma ao sistema, afinal, para este ano a meta do MEC era chegar a 216 unidades, o que representa ínfimos 0,1% do total de 180 mil estabelecimentos de ensino no país. É preciso dar algum apoio na transição dessas escolas, mas é uma política tão irrelevante do ponto de vista quantitativo que nem mesmo no programa de governo de Bolsonaro apresentado neste ano ao TSE ela aparecia.
Era também favas contadas que a Política Nacional de Educação Especial fosse revista, afinal, ela ia na direção contrária ao esforço de incluir alunos com deficiência nas mesmas salas de aulas que os demais estudantes. Sob o argumento de que cabia às famílias decidir, a política abria espaço para a segregação, algo extremamente prejudicial a essas crianças em seu desenvolvimento e contrário à Convenção Internacional sobre os direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário.
A Política Nacional de Alfabetização, porém, merece olhar mais atento. Este é um tópico de disputas no meio acadêmico, e não apenas aqui. Nos Estados Unidos, chegaram a ganhar no século passado o apelido de “Reading Wars”. Simplificando numa frase um tema que é muito mais complexo, elas opuseram defensores de uma abordagem com maior ênfase inicial na codificação entre sons e letras (corrente mais alinhada à atual política do MEC) com educadores que propunham uma estratégia mais focada em estimular os alunos a lerem de forma a irem naturalmente se apropriando das funções sociais da escrita, com menos ênfase na codificação.
Recentemente, uma professora que era referência na defesa dessa segunda abordagem, Lucy Calkins, surpreendeu educadores nos Estados Unidos ao incluir em seu programa de alfabetização a sugestão para lições diárias com ênfase na codificação entre sons e letras, o que foi visto como uma grande mudança de posicionamento de uma das mais influentes especialistas por lá.
Voltando ao Brasil, mesmo não sendo consensual, não se pode dizer que a atual Política Nacional de Alfabetização do MEC careça de base científica. Aqui talvez o maior erro do governo – típico de uma gestão autoritária – tenha sido o de tentar impor uma mudança tão profunda sem diálogo e articulação com Estados, municípios e demais atores relevantes do sistema. Pode ser frustrante para quem julga ter certeza dos caminhos a serem seguidos, mas, num ecossistema com 27 secretarias estaduais, 5.570 municipais, 180 mil escolas e dois milhões de professores, nenhuma política conseguirá prosperar em larga escala sem apoio e convencimento.
O desafio nessa área, que já era imenso, foi agravado na pandemia. Talvez o melhor caminho na análise da política de alfabetização seja se inspirar nas experiências exitosas de redes públicas que conseguiram, com uma série de ações, resultados melhores numa etapa tão crucial para os estudantes.
Texto: Antônio Gois / Fonte: O Globo