Pilar de toda a formação estudantil, a alfabetização foi severamente impactada pelo período de isolamento social e de fechamento das escolas. Os resultados da pesquisa Alfabetiza Brasil, apresentados este ano, mostram que, em 2021, 56,4% dos alunos do 2º ano do ensino fundamental não estavam alfabetizados. Em 2019, eram 39,7% de não alfabetizados. Os dados são do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
O recuo nos números, somado aos desafios já existentes em relação à alfabetização na idade certa, estimularam o governo federal a instituir o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. Lançada em junho deste ano, a política busca subsidiar ações voltadas para essa etapa do ensino.
O levantamento Alfabetiza Brasil ouviu 251 professores alfabetizadores de 206 municípios do país. Segundo o estudo, consideram-se alfabetizados os estudantes que “são leitores/escritores iniciantes, que interagem de forma mais autônoma principalmente com textos que circulam na vida cotidiana e no campo artístico literário, em práticas de leitura e de escrita características do letramento escolar”.
Nessa etapa, ainda são consideradas habilidades de leitura e interpretação de texto mais superficiais e os estudantes escrevem, comumente, com alguns desvios ortográficos. O essencial aqui é entender do que se trata uma mensagem e conseguir se comunicar verbalmente, mesmo que com a omissão de alguns elementos textuais.
Aprender a aprender
“A alfabetização é um processo fundamental para as crianças: elas precisam aprender a ler, e depois a ler para aprender”, afirma Natália Fregonesi, analista de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação. De acordo com a especialista, embora esse processo seja o foco do 1º e 2º anos do ensino fundamental, os primeiros estímulos podem começar ainda na educação infantil.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê que a alfabetização seja feita até o 2º ano, no entanto, segundo Natália Fregonesi, muitos estudantes acabam por enfrentar dificuldades para desenvolver as habilidades necessárias. “É essencial que as escolas garantam as ações de recomposição de aprendizagens para as outras séries do ensino fundamental, de forma que todos os estudantes tenham assegurado o seu direito à alfabetização”, destaca.
Na escola Arara Azul, o processo de alfabetização inicia na pré-escola II, com crianças de aproximadamente 5 anos. De acordo com a coordenadora pedagógica da pré-escola, Paula Brum, a equipe trabalha atividades de escrita e leitura que são incorporadas às atividades cotidianas. “Isso torna o aprendizado mais relevante e significativo, mas sempre respeitando o desenvolvimento individual”, explica.
A coordenadora destaca que uma série de fatores podem interferir no processo de alfabetização, como falta de estímulo, desigualdade socioeconômica, abordagens desatualizadas e condições médicas ou de desenvolvimento que possam afetar as habilidades da criança. “É crucial uma observação criteriosa e individualizada, envolvendo família, educadores e instituição, promovendo apoio contínuo, comunicação efetiva e um ambiente rico em estímulos”, explica.
Independência
Mãe de três meninas, de 5, 8 e 11 anos, a advogada Renata Lopes, 32, tem acompanhado o processo de alfabetização de perto e percebe que essa caminhada pode gerar um sentimento de ansiedade nas crianças. “Elas querem aprender logo para ter mais independência”, relata.
Ela explica que a pandemia impactou sobretudo o processo de alfabetização da filha do meio, Marina, já que ela passou a maior parte desse período no ensino remoto. No entanto, graças à dedicação dos educadores e ao acompanhamento em casa, Marina e Rebeca, a mais velha, não apresentaram muitas dificuldades de aprendizado. “A mais velha não gosta muito de interpretação de texto, mas eu falo para ela que sem a interpretação, todas as outras disciplinas vão ficando defasadas”, ressalta.
Para a advogada, as atividades lúdicas da escola têm ajudado a fazer com que as crianças se interessem mais pelo aprendizado. “A alfabetização é como um clique para as crianças. Os professores vão dando ferramentas e uma hora elas conseguem juntar tudo”, explica.
Ao ver a empolgação das mais velhas com a leitura e a escrita, Olívia, 5 anos, já conta os meses para chegar lá também. “Ela tem uma brincadeira em que pega todas as letras que sabe, escreve em um papel e pede para eu ler, fica toda orgulhosa quando leio”, conta. “Elas ficam ansiosas para conseguir transmitir uma mensagem e participar desse universo de comunicação.”
Fonte: Correio Brasiliense