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Educação tem ciência – Políticas educacionais e as intervenções pedagógicas podem e devem ser baseadas em evidências científicas

Pense bem. Se o título deste artigo fosse “Saúde tem ciência” ou “Engenharia tem ciência”, por óbvio, ele provavelmente seria recusado pelo jornal. Mas com a educação não é assim. Geralmente, não se admite como pressuposto que as políticas educacionais e as intervenções pedagógicas podem e devem ser baseadas em evidências científicas. Essa concepção mal começa a tomar corpo em alguns países, e no mundo, com a criação pela Unesco da Aliança Global das Ciências da Aprendizagem para a Educação em 2023.

Trata-se de estimular cientistas de todas as áreas do conhecimento — pedagogia, linguística, economia, neurociência, ciências da computação e tantas outras — a inspirar-se em temáticas de repercussão educacional. É o que se chamaria de ecossistema de pesquisa translacional em educação, da ciência básica que estuda os mecanismos moleculares da memória até as práticas de sala de aula como reforço espaçado de conteúdos. Essa confluência necessária, no entanto, depende de iniciativas que articulem as ações do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério da Educação. Editais que financiem pesquisas translacionais desse tipo poderiam ser articulados com bolsas especiais aos professores e gestores escolares que participem dos trabalhos. Tudo depende da criação de pontes (quem sabe um conselho interministerial) entre educação e ciência.

É a construção dessas pontes que almeja o Simpósio Educação Tem Ciência, que será promovido pela Rede Nacional de Ciência para a Educação em 8 de março. O evento faz parte da programação preliminar da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que pretende elaborar a Estratégia Nacional da área para os próximos dez anos. O simpósio será público, e dele surgirá um documento com sugestões para encaminhar aos dois ministérios envolvidos.

Alguns temas serão discutidos como exemplos. É o caso da relevância, comprovada pela ciência econômica, de investir na primeira infância para garantir melhores resultados na formação dos cidadãos do futuro. Também a necessidade de oferecer a aprendizagem inicial da relação entre fonemas e grafemas na alfabetização de crianças, baseada em estudos psicolinguísticos. Além disso, serão discutidas evidências de que as aulas de cada dia não devem se iniciar às 7h da manhã, pois nesse momento os alunos, principalmente os adolescentes, estão ainda semiadormecidos e inabilitados para uma aprendizagem produtiva. E, finalmente, estarão em pauta a inteligência artificial, os desafios e riscos que acompanharão sua adoção inevitável, se não pelos docentes, sem dúvida pelos próprios alunos.

Enfim, são infinitos os exemplos possíveis. O ponto crucial é que não há como fugir mais do fato estabelecido de que as políticas e práticas educacionais se tornam mais eficazes quando baseadas em evidências científicas. O Brasil não pode esperar mais o que o mundo já começa a realizar: colocar em sintonia e articulação as esferas de governo que tratam da ciência e as que tratam da educação. Isso não se restringe ao governo federal, mas também se aplica aos governos estaduais, quase todos providos de fundações de amparo à pesquisa e todos com secretarias de Educação estruturadas. O mesmo vale para os grandes municípios capazes de realizar ações conjuntas.

“Educação tem ciência” não é mais um mantra utópico de visionários. Tornou-se uma necessidade concreta do mundo real que se prepara para um futuro complexo. O futuro chega rápido, e os cidadãos devem ser capazes de lidar com ele utilizando as ferramentas da ciência e os caminhos da educação.

Por Roberto Lent
01/03/2024

*Roberto Lent, professor emérito da UFRJ, é pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e coordenador da Rede Nacional de Ciência para a Educação

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