A Casinha Feliz

Método Iracema Meireles

Método Iracema Meireles promove o ensino fônico de maneira contextualizada e lúdica, acolhendo a fala do aluno e respeitando sua individualidade.

Neste método as letras aparecem associadas a figuras do nosso universo. Essas figuras lembram letras e sugerem fonemas. São as figuras-fonema. Seu aspecto lúdico cria uma ligação afetiva forte entre alunos e letras, o que torna a aprendizagem muito rápida. Ao contrário dos outros métodos, este não exige esforço de memória porque as figuras-fonema funcionam como uma chave para ajudar na decifração do código da língua escrita.

Método Iracema Meireles valoriza as diferentes manifestações artísticas do nosso país, trazendo para o processo de alfabetização as histórias, o teatro, a literatura, a música e as brincadeiras que compõem o nosso acervo cultural.

Método Iracema Meireles tem apresentado excelentes resultados na alfabetização de pessoas portadoras de dificuldades de aprendizagem.

Uma concepção fônica do ensino da leitura
*Silo Meireles

A concepção fônica do ensino da leitura leva o aprendiz a identificar e a manipular os sons elementares (fonemas) que formam as palavras faladas do idioma. Considera indispensável ensinar de forma explícita a relação entre estes sons elementares e as letras ou grupos de letras do alfabeto (grafemas). Leva a entender que as palavras escritas são sequências de letras do alfabeto que correspondem a combinações de sons elementares que formam as palavras faladas. Aplica estratégias para desenvolver a compreensão das palavras, frases e textos lidos, estimulando em paralelo, com as mesmas premissas, as habilidades da escrita.

Os trabalhos de Stanovich, K. E. (1993 e 1994) (1) e de Adams, M.J., (1990) (2), orientaram uma ponderável parcela de pesquisadores e de países na direção da concepção fônica do ensino da leitura. Estes pesquisadores definiram a habilidade de identificar e manipular os sons do idioma e os fonemas em particular – consciência fonológica e consciência fonêmica – e mostraram que esta habilidade é o fator isolado que melhor permite prever o sucesso na alfabetização. Teóricos de diversos países – nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e no Canadá, notadamente – confirmaram e aprofundaram estas constatações, recomendando esta forma de ensino como sendo, de todas, a mais eficaz.

A concepção fônica do ensino da leitura é uma recomendação de governo em Portugal, França, Chile, Itália, Inglaterra e Estados Unidos e um padrão de fato em Cuba, Israel, Canadá, Bélgica e Alemanha.

O Método Iracema Meireles, criado nos anos 50, adota a concepção fônica do ensino da leitura e é apresentado atualmente em duas cartilhas:
A Casinha Feliz, para crianças e É Tempo de Aprender, para adolescentes e adultos. A alfabetização tem início pelo ensino das relações entre os sons do idioma e as letras e grupos de letras do alfabeto. Isto é feito através de uma história, onde os personagens são pictogramas que contêm grafemas e sugerem fonemas. O esforço de memorização é mínimo e a assimilação é imediata. O lúdico e o multissensorial caracterizam a fase inicial do processo, acelerando e motivando a aprendizagem. Está aí o maior segredo da eficiência do método, sua marca registrada. A identificação e a manipulação dos fonemas (consciência fonêmica), dos grafemas (consciência grafêmica) e das relações grafema-fonema (consciência fônica) são induzidas e trabalhadas de forma vigorosa e definitiva. O início do desenvolvimento das habilidades grafêmica, fonêmica e fônica, levam o aprendiz a compreender o que é o princípio alfabético – a representação de sons por letras – e também o que é o nosso sistema alfabético – a forma como são representados os sons do nosso idioma através das letras do nosso alfabeto. Está pronto para enfrentar e vencer, levado por mão cuidadosa, o desafio da leitura. É encorajado a ler, de forma supervisionada, as primeiras palavras simples, formadas por vogais e por consoantes de um primeiro grupo, m, n, v, d, p. Compreende, experimentando, que uma determinada sequência de letras representa uma – e só uma – combinação ou aglutinação de sons que podem formar uma palavra da qual ele, pelos cuidados da mão que o leva, já deve conhecer o significado.

A apresentação das relações que envolvem as outras consoantes, os dígrafos e os demais caracteres gráficos do idioma dão ao aprendiz a possibilidade de ler e de escrever qualquer palavra e qualquer texto de relativa complexidade no nosso idioma com a precisão e a compreensão exigíveis. Ao final desta fase estão instaladas as competências de leitura e escrita autônomas. A partir daí, resta desenvolver e aprimorar a capacidade de leitura e escrita, o que pode e deve se prolongar por toda a vida.

A apresentação das relações grafema-fonema é feita de uma forma muito original, e merece ainda mais algumas palavras. Os metagrafemas ou figuras-fonema são um recurso de aproximação de forte apelo audiovisual. São pictogramas que funcionam como ideogramas e rébus. Transformados em bonecos reforçam o multissensorial e impressionam tato, olfato e mesmo paladar. Assegurada a assimilação, esses recursos desaparecem. O Método Iracema Meireles apresenta as relações grafema-fonema numa ordem pré-estabelecida, o que se define tecnicamente como instrução fônica sistemática, estratégia reconhecida por muitos pesquisadores como a mais eficaz para indivíduos das mais diversas origens e com diferentes níveis de habilidades. O Método Iracema Meireles apresenta as relações grafema-fonema de forma individualizada, o que se define tecnicamente como instrução fônica sintética, estratégia reconhecida por muitos pesquisadores como a mais eficaz para indivíduos das mais diversas origens e com dificuldades de aprendizagem. O Método Iracema Meireles desenvolve as competências de leitura e de escrita inteligentes e autônomas de forma muito eficiente. O aprendiz medianamente dotado adquire estas habilidades num prazo médio de três meses. Uma experiência que vem se renovando há mais de meio século, por inúmeros colégios do país, e pelos mais de um milhão e duzentos milhões de brasileiros, inclusive no exterior, com quem teve e tem, a satisfação de compartilhar os primeiros passos na fascinante experiência do aprendizado da leitura e da escrita.

*Silo Meireles – engenheiro, pesquisador autônomo e estudioso de temas ligados a Alfabetização.

Breve História do Método
*Iracema Meireles

O método de alfabetização usado por nós, surgiu aos poucos, através de mais de 20 anos de experiências e paciente observação.

Teve, como ponto de partida, o caso particularmente difícil de um menino de 12 anos, filho de um oficial do exército e o mais novo de 8 irmãos, todos bons estudantes de ginásio e de cursos superiores. Apesar de vivo e inteligente, continuava analfabeto até aquela idade. Vários métodos tinham sido já inutilmente tentados. Repelia tudo que se parecesse com caderno ou cartilha. Irritava-se, chorava, bocejava. Cuidamos do caso com particular dedicação. E, tendo em vista os interesses peculiares àquela idade, resolvemos desenvolver nosso trabalho na base de brincadeiras, e de jogos. Realmente, através do jogo, o interesse apareceu e a situação foi melhorando. Posteriormente, com a descoberta e correção de uma deficiência visual, tudo começou a se acertar.

Terminou o caso daquela criança, mas estava apenas a iniciar-se a nossa experiência, a nossa observação, o nosso trabalho cheio de verdadeiro interesse pelas questões relacionadas à alfabetização. Assim, depois de termos vivido sucessivas etapas, acreditamos, afinal, poder apresentar nosso método.

Antes, entretanto, queremos recordar aqui a impressão profunda que sempre nos causou a consideração do imenso esforço de memória, de disciplina e de atenção, que se exigia da criança que aprendia a ler e escrever, principalmente, se o fazia por método sintético, fosse pela silabação, fosse pela soletração – o mais antigo dos métodos – pelo qual aprenderam gerações e gerações anteriores à nossa e pelo qual, ainda hoje, muitos alunos se alfabetizam, sobretudo nas regiões mais afastadas dos grandes centros. A soletração é, como se sabe, o método de mais fácil manejo por parte do professor, embora o mais penoso para o aluno, obrigado que é a um imenso esforço de memória. Imagine a criança que, depois de decorar 92 letras (minúsculas, maiúsculas, cursivas e de forma), precisa ainda decorar suas combinações, para só então chegar à sílaba e desta à palavra.

História Sentença Palavra

Convencidas de que alfabetizar uma criança é resolver um problema de psicologia infantil, decidimos, tendo em vista aquela “função-de-globalização” descrita por Decroly, que é o mesmo “sincretismo infantil” a que se refere Claparède, tentar a alfabetização partindo do que mais está de acordo com o interesse infantil: a história. História que conduziria à sentença e, também, ao jogo, ao brinquedo. Acreditamos que, para a criança, o brinquedo é uma forma embrionária de trabalho. A criança que brinca está trabalhando a seu modo. E quem não observou, ainda, uma criança a viver suas horas de brinquedo, de ficção, desenvolvendo, muitas vezes, atividade verdadeiramente febril, com a mais absoluta seriedade tal como qualquer adulto, no desempenho de importante função?

Partíamos, então, de uma história. Quatro episódios desta eram resumidos em 4 sentenças simples, com o verbo repetido. Ouvindo a história, a criança ficava facilmente com as frases fixadas.

A memória verbal das frases é 25 vezes superior à memória das palavras isoladas” – afirmou Stanley Hall, assim como Binet.

Fixadas as frases, seria feita a fixação, através de um jogo, de 12 palavras básicas daquelas 4 frases. Depois, seriam outros episódios, resumidos em outras tantas frases, cujas novas palavras seriam fixadas por meio de outros tantos jogos. E assim por diante. A criança iria conquistando um vocabulário cada vez maior e leria cada vez maior número de palavras. O domínio da palavra nos parecia essencial, uma vez que, ao lermos, não silabamos nem muito menos soletramos: lemos simplesmente a palavra.

Aconteceu, entretanto, que observamos um fato importantíssimo: sempre que um conjunto de palavras, era deixado à margem por algum tempo, era praticamente esquecido. E a criança era incapaz de ler aquelas mesmas palavras já anteriormente conhecidas! Então, concluía-se: aquelas palavras nunca haviam sido propriamente lidas e sim apenas reconhecidas no seu conjunto. Não dispondo de capacidade de analisá-las, de chegar aos seus elementos formadores, ficava a criança a depender de que lhes fossem, novamente, ensinadas aquelas mesmas palavras.

Soubemos, posteriormente, que na América do Norte fato semelhante chegou a constituir motivo de preocupação, tendo determinado até o aparecimento de clínicas especiais para aqueles “doentes de leitura”. Admitiu-se perturbação visual ou até mental. O Dr. John Nicholls, de Montreal, oftalmologista que também se ocupou do assunto, depois de atribuir importância decisiva ao desenvolvimento mental da criança e ao modo pela qual os conhecimentos lhe chegavam ao espírito, ou seja, ao método de ensino utilizado, declarou:

The flash system had a wide vogue in North America but now has been modified by at least a partial return the old phonetic system”
(“The Canadian Medical Association Journal”, set. 1959).

No caso brasileiro, este procedimento é mais indicado ainda, uma vez que nossa língua tem caráter essencialmente fonético.

Firmávamos, então, a convicção seguinte: nenhuma criança seria capaz de ler, propriamente, chegando apenas à palavra, e nela se detendo, sem ir aos seu elementos formadores. Havia que chegar à análise silábica ou literal: havia que decidir entre silabar ou soletrar. Com essa convicção iniciamos outra etapa do nosso trabalho, optando pela silabação…

História Sentença Palavra Sílaba

Primeiramente tentamos passar das palavras aprendidas às suas sílabas, realizando aí brinquedos de esconder, isto é, deixando aparecer uma sílaba, inicial ou final, de tais palavras. De pronto notamos que seria grande solicitação à memória visual das crianças, as quais teriam de visualizar dezenas de sílabas a serem transferidas para quantas outras palavras! E passamos à silabação através de outro recurso: apresentávamos as vogais em separado, como “5 amiguinhos importantes” com seus versos e canções. Em seguida elas iam sendo modificadas por “sinaizinhos” e as consoantes funcionavam tal, como os acentos, ou seja, como agentes modificadores. Este recurso é usado até hoje, por grande número de professores. Fugíamos então dos nomes das consoantes, de sua individualização. Mas deparamos com outra dificuldade séria: a história, as frases, os lotos com seus grupos de palavras, eram todos de agrado das crianças, mas chegando aos tais sinais modificadores das vogais (ou seja, às consoantes) surgia imensa dificuldade em distingui-los.

Aliás, sempre nos impressionou, ainda no exercício do magistério público, a dificuldade apresentada por muitos alunos de turmas recém-alfabetizadas de distinguirem “m” de “n”, “p” de “q” “d” de “b” etc. A esta dificuldade aludem vários mestres como Kocher, Piaget,etc.

No livro Sucesso Através do Brinquedo, condensado do inglês pela professora Consuelo Pinheiro, os autores D.A. Phadler e Newel Kephars aludem ao caso do menor Jim que não conseguia distinguir aquelas citadas letras. Kocher ao tratar da dislexia aconselha não apresentá-las às crianças senão bem afastadas umas das outras. Ao contrário deste autor, nós as apresentamos juntas, trabalhando em cima das diferenças entre elas, usando um recurso próprio do nosso método.

Letra Representante

Foi então, que resolvemos chegar até a consoante. Não à consoante como sinal abstrato, como puro grafema, e sim a uma consoante modificada de modo a lembrar elementos já conhecidos do aluno, como papai (p) mamãe (m) neném (n) ratinho (r).

Desapareceu como por encanto a confusão. A identificação era imediata. Uma coisa, porém, muito nos preocupava: para obtenção da sílaba, o aluno continuava a memorizar as combinações: “mamãe” junto do é faz mé; os alunos não precisavam decorar os nomes das consoantes mas decoravam as combinações assim como se faz na 2ª fase da soletração, o beabá.

Personagens em movimento

Procurando amenizar aquele esforço fizemos um teatrinho onde as letras eram personagens da história e apareciam como bonecos. As vogais eram verdadeiras princesas, paradas em seus tronos; as consoantes movimentavam-se suspensas em fio de nylon e, ao se encostarem numa vogal, formavam uma palavra monossílaba ou uma sílaba. As crianças deslumbradas acompanhavam a formação das palavras.

No teatrinho de classe, verificou-se o fato mais importante de toda a história do nosso método: notamos que, se o personagem que aparecia suspenso no fio tinha a possibilidade de emitir um som prolongado, como r s v f x z,o monossílabo formava-se facilmente sem necessidade de decorar.

Então, porque não atender à criança que estava diante de nós, como que a pedir que todos aqueles personagens suspensos tivessem um som qualquer, uma voz? Aqueles que não podiam ter um som prolongado (resíduo fônico) emitiam um som repetido como b c d g k l m n p q t. Foi assim que, no teatrinho de marionetes da sala de aula, em 1960, surgiu na Casinha Feliz o chamado “barulhinho” que nada mais é que a emissão do fonema. Atendendo assim a um anseio da criança e abrindo um 3º caminho para o domínio do monossílabo ou da sílaba.
Outra descoberta curiosa: aquela repetição do som característico da consoante, trabalhando a zona de articulação e firmando a emissão do som consonantal, levava à sílaba mais facilmente do que a simples emissão prolongada dos fonemas portadores de resíduo fônico como: r s f j w v x z r v.

A partir daí, todos os sons característicos das consoantes passaram a ser repetidos.

Personagem que fala

Libertados daquele trabalho de memorizar as combinações das consoantes com as vogais, os alunos, obtendo verdadeiro impulso ao repetirem o barulhinho (a fala de cada personagem da história), chegavam espontaneamente à aglutinação, da qual resultam a palavra monossílaba e a sílaba. Nesta altura, outro fato interessante: empolgado com aquele personagem que falava, fazia seu barulhinho e dava em um amiguinho um abraço mágico fazendo com que o amiguinho “virasse” palavra, o aluno se desligava, inteiramente, daquelas 4 frases do início, as quais haviam fornecido as palavras, as sílabas etc. O que o aluno via era o personagem da história vivendo diferentes situações e episódios. Episódios que o próprio aluno modificava divertindo-se, criando.

Da História ao Personagem que fala

Mais uma vez, atendendo ao que a criança nos indicava, resolvemos corajosamente passar da história ao personagem (letra) que era encontrado na história que a própria criança passava a viver, modificar e incorporar como autor personagem também. Ouvia e emitia a fala de cada um, cuja repetição impulsionava a própria voz, projetando-a sobre uma vogal e transformando-a em palavra. Pode parecer à 1ª vista que a omissão daqueles trâmites intermediários clássicos (sentença-palavra-sílaba) rompia com o caráter global da aprendizagem da leitura.

Pelo contrário: mais firmava aquela globalização. Os personagens são os elementos que formam a história. Mais ainda: vivendo por exemplo as proezas do ratinho que rói, o próprio aluno encontra novas situações, cria modalidades de trabalho. Assim, a inclusão de frases, palavras ou sílabas só determinaria interferência, prejudicando o sentido global do trabalho.

Como se vê, através da história, ou melhor, na própria história, encontramos aquela figura que falava sempre como personagem importante. Algumas têm, mesmo, sua canção ou seu perfume e todas, com exceção da cadeirinha que é muda (letra “h”), todas falam. São figuras que falam. Têm voz, falam alto (vogais). Quase não têm voz, falam baixo (consoantes). Mas se, de repente, encostam numa vogal, criam força e falam alto (forma-se a palavra).

No trabalho de fonação, tão do agrado das crianças, muito nos detemos.

O aluno é convidado a imitar o som característico de cada fonema com o qual se identifica, passando a ser personagem também da história. Essa brincadeira recapitula, de certa forma, a fase infantil do balbucio. Precisará de tal brinquedo mais ou menos demoradamente, conforme o grau de desenvolvimento em que se encontre. A professora não deve impedir tal repetição de sons. Deve pelo contrário, deixar a criança à vontade sem constrangimento, tal como deve ser deixado, sem constrangimento, o bebê que, para chegar à marcha normal, recapitula a vida das espécies (a ontogenia recapitulando abreviadamente a filogenia), movimenta-se com todo o corpo, rasteja, engatinha até ser capaz, afinal, de se manter ereto e marchar com os pés que são, por conseguinte, os últimos a funcionarem como agentes específicos de locomoção.

No caso da leitura e da articulação dos sons, o exercício de fonação (brinquedo do barulhinho) é necessário e importante: é o passo mais decisivo na aplicação do nosso método. Através de tal brinquedo que permite o apoio na voz dos personagens da história, a criança chega, depois de bem exercitar e acomodar o aparelho fonador, à aglutinação de sons, obtendo a palavra. Chega ao monossílabo.

E não são também monossílabos, monossílabos-pedido, monossílabos-ordem que primeiro as crianças pronunciam, ainda no berço, exprimindo desejo? Apontando um copo de água elas dizem simplesmente: dá! significando: – eu quero água. Tais monossílabos são frequentemente repetidos com alegria ou irritação: dá, dá ou não, não! Através do brinquedo do barulhinho a criança está, pois, repetimos, recapitulando a fase infantil do balbucio e, justamente por isso, o faz com tanta alegria, com tanto gosto, tal como o próprio adulto recapitula, com prazer, com alegria, as coisas da adolescência e até da infância nos momentos em que não se encontre tolhido pela censura, pelas conveniências sociais…

Deixemos, pois, a criança fazer, livremente, o brinquedo do barulhinho tão do seu agrado. Deixemo-la, ainda, escolher os fonemas com que prefere brincar. Teremos, assim, oportunidade de observar a preferência e a maior facilidade para os labiais: m e sobretudo p mais escandaloso com as suas famosas pancadinhas, conforme veremos adiante. “Esse balbucio”, dizia a professora Consuelo Pinheiro, “será apenas uma ajuda momentânea que a própria criança, uma vez segura, será a primeira a abandonar.”

No nosso método, a consoante é posta em evidência, surgindo sempre, conforme foi anteriormente dito, como personagem da história, na qual desempenha um papel importante associada a figuras que as crianças conhecem da vida cotidiana ou da própria história. Acompanhando a história, a criança identifica e fixa essas figuras que parecem consoantes e sugerem a imagem de um ser ou objeto conhecido, o qual emite um som característico: – o fonema. Tal som, agindo sobre a vogal, leva, automaticamente, à formação da sílaba. Assim, por exemplo, o s sugere a imagem da serpente. Da serpente, se passa, consequentemente, ao som por ela emitido (a serpente silva: s… s… s…). Este som, agindo sobre a vogal, forma a sílaba.

Na silabação o aluno vai diretamente à sílaba sem nenhum apoio anterior.

Na soletração vai à sílaba depois de se apoiar nas letras, dizer-lhes o nome de memória e reuni-los.

No 3º caminho – que sugerimos – ou seja, com a fonação condicionada e repetida vai-se ao monossílabo ou à sílaba, simplesmente apoiando-se na voz de cada figura que é sem dúvida, elemento fundamental da aprendizagem. E não vamos ter medo de pôr a Figura-fonema em evidência, nem de levar o estudante a emitir seu som característico.

Algumas pessoas perguntam se essa repetição dos fonemas poderia instalar gagueira nos alunos. Não há perigo. Muito ao contrário, a criança, através do brinquedo do barulhinho, estará em ótima situação emocional, uma vez que está brincando, alegre e divertida, fazendo o exercício de fonação que só poderá ajudar a corrigir a algum defeito de prolação ou até mesmo a gagueira. Nos casos de dislexia, é interessante notar como o exercício de fonação pode ajudar. Principalmente quando a dificuldade provém de uma dislalia, de uma leve disfonia, ou de ligeira disfasia. Acreditamos seja útil, também, nos casos de disartria muito discreta, do mesmo modo que o “brinquedo de ouvido esperto” pode ajudar o desenvolvimento da linguagem interior. Acreditamos poder dizer que o exercício de fonação é, para a sílaba, o que a câmara lenta é para o movimento, uma vez que permite analisar, dissociar a sílaba para perceber os diferentes sons que, aglutinados, determinam sua formação.

Assim, quem chega a dizer fa, já passou pelo f… f… f… Caso se tratasse de soletração, depois de decorar o nome da consoante efe e da vogal a seria preciso decorar ainda: efe a – fa.

Queremos aqui esclarecer um ponto importante: A História da Casinha Feliz que usamos para desenvolver a alfabetização da criança não é a única que pode conduzir a um resultado satisfatório, na aplicação do nosso método. A história pode ser modificada à vontade e até ser substituída. O essencial é que conduza à figura-fonema, capaz de fazer sempre, se for consoante, o imprescindível barulhinho. Tudo mais é motivação, é jogo, é dramatização, atividade criadora. Podemos concluir que o segredo do nosso êxito está no trabalho com a consoante. Ela, que tem sido penosamente decorada no caso da soletração, ou absolutamente posta à margem, no caso da silabação, para nós é fundamental. Para nós, o trabalho com a consoante constitui verdadeira riqueza desde que se tenha em vista que a consoante, só é consoante para nós professoras. Para os alunos, elas são personagens de uma história. Reunidos, tais personagens formam as diferentes palavras. Para os alunos, em consequência de um simples artifício pedagógico, as consoantes nada mais são do que seres ou objetos de há muito conhecidos, os quais entram na História da Casinha Feliz como personagens: são os ajudantes e ajudam de verdade! Enquanto as vogais têm voz forte – são estáticas – os ajudantes são movimentados, dinâmicos e têm voz. Falam muito baixo, sem força, mas falam. E falam repetidamente. E permanecem repetindo sua fala enquanto se deslocam, fazendo nas primeiras vezes um ruído marcante, cadenciado; fazendo mais tarde um simples barulhinho de quem corre de leve, e por fim, salta de vez, para abraçar uma das vogais. Tal abraço nada mais é do que a aglutinação de sons de que resultam as sílabas: consoante + vogal = sílaba.

E porque já eram muito conhecidas, sendo na história apenas identificadas, por realizarem tantas proezas, deslocando-se, falando com voz engraçada e repetida como a dos bebês e por abraçarem os amiguinhos formando palavras, os ajudantes são os preferidos dos alunos.

A propósito, leia-se no Pulso Pediátrico de 10-8-70 o que nos diz a Sociedade Nacional de Crianças Surdas de Londres: “as consoantes desempenham papel muito mais importante do que as vogais, no reconhecimento da maioria das palavras”.

Muito mais depressa do que se pensa, a simples vista de qualquer consoante conduz à emissão repetida de seu som característico. Daí por diante, é precisamente aquela repetição de sons que impulsiona o trabalho: ela determina acomodação e segurança dos órgãos fonadores, é exercício de dicção, de impostação de voz, é verdadeira logopedia e é, sobretudo, responsável pelo impulso que conduz, fácil e naturalmente, à aglutinação de sons de que resulta a palavra. E, de aglutinação em aglutinação, o aluno chega às palavras cuja descoberta constitui aquele verdadeiro e divertido jogo global-fonético a que nos referimos de início. E por ser divertido, é muitas vezes repetido. De muito lidas e relidas, assim, com agrado, as palavras acabam memorizadas e automaticamente identificadas.

Note-se, pois, a seguinte diferença: o aluno, ao invés de ser levado a memorizar no início do processo de alfabetização aquilo que foi antecipadamente lido pela professora, neste método, só memoriza no fim, depois de ter dominado a técnica da leitura. Mas o faz espontaneamente, porque memoriza diferentes palavras que ninguém leu para ele. Palavras que descobriu com seus próprios recursos, palavras que foram memorizadas justamente porque sua leitura foi muito repetida sob forma de jogo. A memorização é consequência da repetição dos jogos de leitura. É consequência do interesse.

Á proporção que vão sendo memorizadas, as palavras são automaticamente identificadas, desaparecendo então, gradativamente, a repetição de sons, o barulhinho.

Ampliando mais o nosso trabalho a partir de 1962, passamos a estendê-lo a adolescentes e adultos, sendo que, para estes, tudo passava a ser referido à sua própria vivência, dispensando-se a história.

O método passou por várias modificações mas conserva suas características: global-fonético, sensorial, logopédico e criativo.

*Iracema Meireles, criadora do método, escreveu este texto em 1972. Mais informações sobre a vida e a obra de Iracema Meireles, encontram-se no Dicionário de Educadores no Brasil – da Colônia aos dias atuais- Editora UFRJ MEC INEP, Rio de Janeiro,2002. Organizado por Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero e Jader de Medeiros Britto. Verbete de Maria Dolores Coni Campos pp500/506.

MOMENTOS MARCANTES

Imagens meramente ilustrativas da época

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