Por Roberto Lent | Publicado no jornal O Globo em 10/06/2022
Algumas pessoas me perguntam como faço para escrever estas crônicas do dia a dia que se baseiam em dados científicos tão diversos. Minha estratégia foi criada por um tradicional psicólogo alemão, Hermann Ebbinghaus (1850-1909), e atravessou 150 anos de pesquisa, tornando-se hoje translacional, útil para otimizar a aprendizagem em todas as idades. Trata-se do que os psicólogos e pedagogos conhecem como “efeito de espaçamento”. Depois de selecionar um tema, estudo em um certo dia o artigo científico mais recente que posso encontrar. Tomo notas ao longo da leitura, e no dia seguinte releio as minhas notas. Escrevo um primeiro rascunho, e só no terceiro dia nascem estas palavritas que vocês estão lendo agora. Há uma enormidade de trabalhos científicos mostrando que aprender assim, a prazo, é melhor do que concentrar todo o esforço em uma virada só.
Como em toda pesquisa translacional, cientistas de várias disciplinas dedicam suas carreiras a determinar a eficácia dessa estratégia, para que possa eventualmente ser aplicada em sala de aula. De um lado, os neurocientistas utilizam experimentos com animais para entender como se dá a gradativa retenção da memória, crucial para uma aprendizagem duradoura. Na outra ponta, os psicopedagogos realizam testes com crianças e adultos para determinar a eficácia e as melhores condições de utilização prática pelos professores.
Emergiu disso o seguinte panorama. Quando estamos tentando aprender alguma coisa, as informações vão adentrando o cérebro pelos sentidos ou mesmo por meio de nossos próprios pensamentos. Ficam um tempo curto em regiões cerebrais que utilizam essas novas informações para raciocinar e elaborar as ideias: é a chamada “memória operacional”. Para permanecer armazenada, é preciso consolidar em outros setores do córtex cerebral aquilo que aprendemos provisoriamente, agora de um modo mais duradouro, às vezes por toda a vida. Se conseguirmos isso, pronto, aprendemos! Raciocinar sobre as informações adquiridas ajuda. Dormir também, porque o sono é o momento em que as informações importantes vão sendo arquivadas no cérebro. Essas etapas básicas dos mecanismos da aprendizagem têm sido estudadas por grandes cientistas, inclusive o nosso inesquecível Ivan Izquierdo, argentino de coração brasileiro, recentemente falecido.
Bem, se o mecanismo é esse, como fazemos para melhor utilizar o processo em benefício dos alunos de vários níveis e das pessoas comuns que têm que escrever semanalmente sobre temas estranhos? Muitos dados têm sido obtidos nessa frente, utilizando a memorização de figuras, palavras, conceitos científicos, regras aritméticas, textos de prosa em várias línguas. Espaçar a aprendizagem em prestações mostrou-se o meio mais eficaz. Muito mais do que concentrar tudo em uma aula, para testar depois no dia da prova.
Já visando à aplicação em sala de aula, um grupo de pesquisadores alemães fez o seguinte: recrutou jovens voluntários de 20 e poucos anos, e atribuiu-lhes a tarefa de aprender o equivalente em alemão de 40 palavras em japonês. Essa fase de aprendizagem era repetida logo em seguida, ou então 4, 8, 12 e 24 horas depois. A aprendizagem, medida pela proporção de esquecimento dos significados em alemão das palavras em japonês, era testada 1 e 7 dias depois. O teste avaliava a eficácia dos diversos espaçamentos. Deu 8-12 horas como o melhor intervalo de espaçamento da aprendizagem, 4 e 24 horas com ainda boa retenção do conteúdo na memória.
Taí um exemplo virtuoso de pesquisa translacional. Investimento contínuo em pesquisa básica e várias formas de pesquisa aplicada, são o segredo do sucesso de um país para melhor preparar seu povo para o mercado de trabalho e a vida em geral. O trabalho do grupo alemão seguiu essa corrente científica em sua etapa final de aplicação na escola: aprender a prazo é melhor que à vista. E se for possível dormir no meio, melhor ainda!